Por Vitor Nuzzi da RBA
São Paulo – Em agosto de 2003, no início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o governo instalou o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), encarregado de apresentar um novo sistema de relações trabalhistas, mexendo tanto na legislação como na organização sindical. Durante quase um ano e meio, representantes do governo, trabalhadores e empresários se reuniram para discutir e tentar harmonizar pontos de vista às vezes bastante divergentes. Desse esforço surgiram uma proposta de emenda à Constituição e um anteprojeto de lei, que não foram adiante. Uma tentativa de “concertação” que fracassou, por vários fatores. Quase 20 anos depois, o tema volta ao debate, com uma “reforma” aprovada sem negociação e mudanças profundas no mercado de trabalho.
Para o então coordenador do FNT, Osvaldo Bargas, para apresentar mudanças efetivas os atores precisam levar esses fatores em consideração. “Tem que fazer um diagnóstico. O Brasil precisa construir um sistema de relações do trabalho e não fazer reformas pontuais”, afirma. O sistema atual está “falido”, segundo ele. É preciso pensar tanto no modelo de proteção social como na organização sindical.
Resistência dos dois lados
Secretário nacional de Relações do Trabalho no governo Lula e coordenador do FNT, Bargas testemunhou resistências a mudanças tanto de representantes dos empresários como dos trabalhadores. Ele diz defender um modelo que tenha por base a negociação coletiva. Para isso, é preciso manter certo patamar de direitos e criar condições para que as representações sindicais tenham representação efetiva.
O FNT era organizado em nove grupos temáticos: organização sindical, negociação coletiva, sistema de composição de conflitos, legislação do trabalho, normas administrativas sobre condições de trabalho, organização administrativa e judiciária, qualificação e certificação profissional, micro e pequenas empresas e autogestão e informalidade. Todas as propostas eram encaminhadas a uma comissão de sistematização e, por fim, submetidas a uma plenária. Pelos trabalhadores, participaram representantes de seis centrais sindicais e pelos empresários, negociadores de cinco confederações.
Monopólio de representação
Uma das propostas era de estabelecer critérios de representatividade para a existência e manutenção de entidades sindicais. Uma desses critérios seria a fixação de um percentual de trabalhadores filiados. Bargas critica o modelo sindical então vigente: “O Estado te dá o monopólio de representação. E não precisa de sócios”. Havia o chamado imposto sindical, compulsório, cobrado anualmente e equivalente a um dia de trabalho (no caso dos empregadores, a cobrança se dava com base no capital social). E grande quantidade do que o ex-secretário chama de “sindicatos de carimbo”, com existência formal, mas sem representatividade.
A ideia era abolir gradualmente a contribuição sindical – em três anos para entidades de trabalhadores e cinco para empregadores. No primeiro caso, a contribuição seria substituída por uma taxa negocial, aprovada em assembleia e com limite definido. Haveria prazo para estabelecer uma lei de proteção à organização sindical e à negociação coletiva, que pela proposta do fórum poderia ocorrer por setor econômico ou ramo de atividade, em todos os níveis (nacional, interestadual, estadual, municipal, intermunicipal, por empresa ou grupo de empresas). Como diz Bargas, seria criado um código do trabalho “que pudesse nortear os direitos básicos e os acordos coletivos”.
O modelo triparte adotado pelo FNT se repetiu recentemente na Espanha, que rediscutiu seu sistema trabalhista. Um debate que vem sendo acompanhado de perto por Lula. “Agora o acordo espanhol recupera a centralidade do diálogo tripartite para a formulação das políticas públicas e fortalece a negociação coletiva, retoma a valorização dos sindicatos e afirma a prevalência dos contratos coletivos setoriais sobre os acordos por empresa, ampliando sua eficácia para todos os trabalhadores e terceirizados”, afirma, em artigo, o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor técnico do Dieese.
O secretário-geral da CCOO (central sindical espanhola), Unai Sordo, considerou “ambicioso” o acordo feito naquele país. Por abordar, segundo ele, um leque de temas que nas últimas reformas trabalhistas “haviam desregulamentado e precarizado de maneira significativa”. Assim, diz ele, o equilíbrio na negociação coletiva se torna um elemento chave. O acordo permitiu a volta da chamada ultratividade, princípio que permite a manutenção dos acordos coletivos mesmo após sua vigência, enquanto se discute um novo texto. No Brasil, a ultratividade foi suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Já a “reforma” feita em 2017 no Brasil, no governo Temer, foi em grande parte inspirada em sugestões patronais, particularmente as da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Sem negociação tripartite, flexibilizou direitos e enfraqueceu a representação sindical, abolindo de uma vez o imposto. À época, seus defensores afirmaram que as mudanças trariam “segurança jurídica” e proporcionariam a criação de milhões de empregos. Mas as pendências legais prosseguiram e o desemprego só não aumentou mais devido ao trabalho informal.
São variáveis que precisam ser consideradas antes de qualquer mudança, diz o ex-secretário, ele também um ex-metalúrgico e diretor no sindicato do ABC na mesma época de Lula. O mercado de trabalho atual tem menos gente no setor industrial e mais pessoas em ocupações precárias, com menos renda e proteção.
“Se o PT quer fazer uma discussão séria sobre isso, tem que resolver o problema do sindicato”, afirma Bargas, defendendo um modelo que permita a sobrevivência das entidades, mas também atribua responsabilidades de representação e negociação efetivas. Disso também depende, sustenta o ex-secretário, o próprio desenvolvimento econômico. “Distribuição de renda se faz com sindicalismo, com salário. Direitos como 13º, jornada, foi luta sindical. Não é o parlamento quem conquista, são os sindicatos. O parlamento ratifica.”