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Direitos e deveres no home office ainda carecem de regras claras

04 de março de 2022, 11h35

Por CSB

Conta de luz mais cara, jornada de trabalho sem fim e dificuldades de promoção futuras para quem optar por não voltar ao escritório. Quase dois anos após o início das medidas de distanciamento e com as empresas tentando voltar ao modelo presencial, o home office ainda gera dúvidas entre os trabalhadores.

No início das medidas de isolamento no Brasil, em março de 2020, o modelo mais próximo à nova realidade dos trabalhadores era o do teletrabalho, regulamentado pela reforma trabalhista de 2017, e muitos empregados e empresas tiveram de aderir ao home office pela primeira vez.

Ao longo da crise sanitária, então, o governo publicou uma sequência de medidas provisórias e recomendações, como as MPs 927 e 936, que flexibilizaram parte das regras previstas na CLT.

As medidas, no entanto, estavam atreladas ao estado de calamidade por conta da pandemia, e perderam a validade antes que a crise sanitária acabasse.

Na prática, com o avanço da vacinação, as flexibilizações e novas ondas de Covid-19, as empresas têm se organizado para decidir sobre o fornecimento de equipamentos de trabalho, o número de dias fora do escritório e a compensação por aumento de gastos ou mudanças nos contratos.

Na empresa da especialista em comércio exterior Cristiane Paulucci, 54, os empregados conseguiram aulas virtuais de ginástica laboral e meditação online. As equipes também receberam em casa cadeiras de escritório e outros equipamentos de apoio.

Ela, que tinha um cômodo em seu apartamento usado para receber visitas, resolveu contratar uma arquiteta Fernanda Moreira e investir cerca de R$ 13 mil para transformar o espaço em escritório e sala de estudos.

“Quando o escritório voltar ao normal, a ideia é ir três vezes por semana. Por um lado, economizo cerca de 1h20 no trânsito todos os dias, mas acho importante e saudável ter o contato com as pessoas e sair de casa. Ir para o escritório duas vezes por semana seria o ideal.”

Moreira conta que a busca por clientes que passaram a trabalhar mais tempo em casa e precisavam reformar ou criar um escritório foi uma das principais demandas nos últimos anos. As necessidades variavam de acordo com a função e os equipamentos fornecidos pelas empresas.

Mas nem todos os conflitos que vieram com o home office foram resolvidos pacificamente. No ano passado, por exemplo, um juiz do Trabalho no Rio de Janeiro determinou que a Petrobras fosse responsável pelos custos mensais dos funcionários em casa, a partir de uma ação coletiva do Sindicato dos Petroleiros local.

Os trabalhadores exigiam que a petroleira arcasse com os custos de internet, energia elétrica e fosse responsável por disponibilizar a estrutura física para o trabalho em casa. Após recursos, a empresa teve de manter apenas uma verba de apoio.

Para o especialista em direito do trabalho Ricardo Calcini, a pandemia exige uma regulamentação mais cuidadosa do trabalho em casa.

“A relação entre empregados e empresas sofreu um processo de acomodação em razão dos dois anos de pandemia, mas sem que tenhamos, até agora, uma efetiva segurança jurídica sobre o assunto.”

Ele avalia que é urgente a criação de uma nova legislação que detalhe melhor os direitos e obrigações do trabalhador, a partir das demandas criadas com a pandemia.

“A única diretriz normativa atualmente vigente é a do teletrabalho na CLT, de 2017, anteriormente, portanto, ao início da pandemia, e que não dispõe especificamente sobre o home office.”

No primeiro ano da crise sanitária, entre março e agosto de 2020, as ações na Justiça do Trabalho envolvendo home office chegaram a aumentar 270%, até pela novidade que essa modalidade de trabalho trouxe para empresas e empregados.

O TST (Tribunal Superior do Trabalho) aponta que o número de processos envolvendo teletrabalho e home office chegaram a 258 em 2021, alta de 263% ante 2019, no pré-pandemia. No Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, foram 155 processos abertos por temas relacionados no ano passado —em 2019, eram cinco.

Segundo advogados, ainda há lacunas na legislação em relação ao controle de jornada, às horas extras e à privacidade no uso do computador, por exemplo.

No caso da ajuda de custos, Calcini entende que a empresa é obrigada a dar, já que a casa do funcionário se tornou uma extensão do escritório durante a pandemia. “A jornada de trabalho também deve ser a mesma de antes, com controle de jornada.”

Os especialistas em legislação trabalhista lembram que o potencial de crescimento das ações trabalhistas pode ser maior, já que muitos funcionários deixaram de acionar a Justiça para não arcar com o pagamento de honorários advocatícios, caso perdessem as causas.

Em outubro de 2021, o STF (Superior Tribunal Federal) entendeu que essa cobrança imposta pela reforma trabalhista é inconstitucional, e a tendência é de aumento no número de processos relacionados ao home office.

Segundo o também especialista em direito do trabalho Denis Sarak, onde há insegurança jurídica, há conflito. “A lacuna da nossa legislação favorece a desinformação e consequentemente os conflitos. Ainda não temos uma legislação específica sobre o home office, apenas projetos de lei.”

DIREITOS NO HOME OFFICE E O QUE FALTA REGULAMENTAR

  • Ajuda com gastos de luz e internet

A empresa deve fornecer uma ajuda de custos, já que a casa do funcionário se tornou uma extensão do escritório durante a pandemia, avalia o especialista em direito trabalhista Ricardo Calcini

  • Fornecimento de equipamentos de trabalho

O MPT (Ministério Público do Trabalho) recomenda que empresas e empregados observem itens de ergonomia (como mobiliário e postura física) e conexão, para que a empresa forneça as condições adequadas

  • Jornada de trabalho

A jornada de trabalho em casa também deve ser a mesma do escritório, com controle de jornada feito de forma eletrônica

  • Tempo de desconexão

O direito do trabalhador a períodos em que consiga ficar desconectado e barrar troca de mensagens fora do expediente, para garantir a saúde mental do funcionário, é uma das lacunas atuais

  • Privacidade em casa

O direito de imagem e à privacidade dos trabalhadores e seus familiares, sobretudo com o aumento do número de reuniões via transmissão de vídeo, precisa ser redefinido


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