Por Andre Accarini
Um dos maiores temores de todo trabalhador ou trabalhadora é ser demitido por justa causa e perder todos os direitos rescisórios, mas não é isso o que diz a legislação trabalhista brasileira, apesar de alguns maus empresários ignorarem a lei usando a regra para demitir sem direitos.
Para demitir um trabalhador por justa causa, a empresa tem de obedecer a parâmetros definidos no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e não é verdade que a pessoa sai nem receber nada.
É importante o trabalhador saber que a demissão por justa causa só pode ser feita quando há falta grave ou alguma situação que justifique que o trabalhador não deva mais permanecer na empresa e, em caso de dúvida consultar o jurídico do seu sindicato.
Para aplicar uma justa causa, não basta ter o motivo. É necessário verificar a proporcionalidade da punição, esclarece o advogado especialista em Direito do Trabalho, Fernando José Hirsch, sócio do escritório LBS Advogados, que presta assessoria jurídica para a CUT.
“Há previsões legislativas para a justa causa, mas a empresa tem de verificar o caso concreto, se de fato se enquadra e se não está desproporcional a outras condutas já realizadas”, diz o advogado.
Se a situação for grave a situação, deve-se aplicar a justa causa de imediato, conforme determina o artigo 482 da CLT, afirma Fernando Hirsch, que acrescenta: “Mas se não for tão grave, deve-se recorrer à advertência. Não há previsão sobre a obrigatoriedade da advertência na CLT, mas a jurisprudência do entendimento como sendo o mais correto”.
Segundo o advogado, em decisões recentes sobre ações de trabalhadores que questionaram a justa causa, o entendimento de desembargadores e ministros é o de que a advertência em alguns casos é mais adequada do que a demissão imediata por justa causa.
A demissão imediata ou “momento correto” está prevista na CLT. Significa que o empregador, se decidir demitir por justa causa, deve fazê-lo de imediato, Não pode esperar dias para desligar o funcionário. E é importante ressaltar que a demissão precisa estar embasada em um dos motivos previstos no artigo 482 (veja lista abaixo).
Confira abaixo as situações que podem justificar uma justa causa, quais são seus direitos e quais são os procedimentos que a empresa deve seguir para a demissão, em que situações vale a pena o trabalhador recorrer à Justiça para reverter a demissão por justa causa - e se a justa causa “suja a ficha” laboral do trabalhador.
Quais os motivos para uma justa causa?
De acordo com a CLT, são 14 as situações que podem caracterizar a justa causa:
Ato de improbidade;
Por exemplo, falsificar documentos, furtar objetos
Incontinência de conduta ou mau procedimento;
Quando o trabalhador apresenta condutas consideradas inadequadas ou com conotação de natureza sexual como manter relações (sexuais) no ambiente de trabalho
Negociação no ambiente de trabalho sem permissão;
Condenação criminal do empregado;
Quando um trabalhador for julgado culpado por eventuais crimes cometidos
Desídia no desempenho das respectivas funções;
Refere-se à preguiça, procrastinação, ou seja, quando o funcionário deixa de cumprir com suas funções por desleixo, má-vontade.
Embriaguez habitual em serviço;
Violação de segredo da empresa;
Ato de indisciplina ou insubordinação;
Quando o trabalhador não cumpre regras ou acata ordens internas da empresa.
Abandono de emprego;
Saiba aqui quando fica caracterizado o abandono de emprego
Ato lesivo da honra ou da boa fama;
Refere-se a casos de agressões verbais a qualquer pessoa do ambiente de trabalho, com exceção a casos de legítima defesa
Agressões físicas;
Brigas, desentendimentos, com exceção a casos de legítima defesa
Prática constante de jogos de azar;
Perda da habilitação profissional;
Em casos de perda dos requisitos exigidos por lei para execução da profissional por motivos dolosos, ou seja, por culpa e responsabilidade de atos praticados pelo trabalhador
Atos atentatórios à segurança nacional.
Que direitos o trabalhador perde em caso de justa causa?
O trabalhador que for demitido por justa causa perde alguns direitos rescisórios, veja quais são:
- O trabalhador não poderá sacar o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS);
- Perde o direito à multa de 40% do FGTS, calculada sobre do valor total que a empresa depositou ao longo do contrato de trabalho,
- Perde o direito ao 13° salário proporcional,
- Não tem direito a férias proporcionais acrescidas de 1/3 constitucional;
- Não tem direito a guia para receber as parcelas do seguro desemprego.
Quais direitos permanecem?
- Saldo de salários;
- Férias vencidas, com acréscimo de 1/3 de férias, confome determina a CLT;
- Salário-família (quando for o caso);
- Horas extras realizadas ou pagamento de saldo de banco de horas;
- Depósito do FGTS do mês anterior e/ou do mês da rescisão, que ficará na conta individual do trabalhador no fundo.
Neste caso, o valor do saldo do FGTS só poderá ser utilizado nos casos:
Quando o trabalhador se aposenta;
Compra da casa própria;
Doença grave: se a pessoa estiver em estágio terminal em decorrência de doença grave, é possível que um representante faça o saque para auxiliar no tratamento.
Idade igual ou superior a 70 anos;
Se o trabalhador falecer, os filhos, cônjuge ou herdeiro legal podem retirar o dinheiro.
Outra possiblidade é sacar o dinheiro da conta vinculada após três anos da demissão, desde que não haja nenhum depósito feito em sua conta e desde que não tenha uma outra conta no Fundo que esteja ativa. Ou seja, se ele arrumou outro emprego neste período e a empresa atual depositar o Fundo de Garantia, ele não terá direito a sacar o valor depositado pelo empregador que o demitiu por justa causa.
Conduta e procedimentos da empresa
Hipótese de injustiça
Ainda que a empresa alegue algum dos 14 motivos expressos na lei, o trabalhador pode contestar a demissão por justa causa. Fernando Hirsch explica que “não é porque a empresa demitiu por justa causa que a decisão está correta”.
Neste caso, cabe ao trabalhador, se considerar que houve erro na proporcionalidade (abuso ou exagero por parte do empregador), ou se não cometeu o ato apontado pela empresa, recorrer à justiça para discutir a reversão para demissão sem justa causa e, assim, receber as verbas rescisórias.
Fernando Hirsch lembra ainda que neste caso, cabe ao empregador provar que houve o motivo, de fato, para a justa causa. “O ônus da prova é do empregador. O empregado pode sim contestar, discutir e é a empresa que tem que provar”, diz o advogado.
Carteira suja
Tempos atrás, costuma-se dizer que trabalhadores que possuíam vários registros em carteira, eram trabalhadores que ‘pulavam de emprego em emprego’ e tinha a “carteira suja”. Era uma época em havia mais estabilidade profissional e a rotatividade não era comum em todas as categorias. Da mesma forma, se dizia sobre trabalhadores dispensados por justa causa.
Pela cultura das relações de trabalho no Brasil, empresas costumam ser autoritárias e conservadores ao avaliar o histórico de quem se candidata a uma vaga e uma demissão por justa causa pode atrapalhar a reinserção no mercado.
Porém, não é verdade que a carteira fica ‘manchada’, explica Fernando Hirsche. “A aplicação da justa causa não é inserida na carteira de trabalho. No termo de rescisão de contrato de trabalho, de fato consta o motivo, mas não é possível fazer nenhuma anotação que desabone o trabalhador. “Inclusive existe jurisprudência sobre o entendimento de que cabe ação por danos morais, caso haja qualquer informação desta natureza na carteira de trabalho. “Não é para ficar ‘manchada’”, pontua o advogado.